No início era a identidade. Bastava o número de seu Registro Geral, e o cidadão tinha credibilidade junto à justiça, o fisco e ao crédito. A falta de rigoroso controle sobre sua emissão acabou por exigir novo número, o CPF. Sua banalização, como a impressão do número no talão de cheques, e a continuidade da falta de controle sobre a privacidade permitiu novas fraudes, que vão da falsidade ideológica a clonagem de cartões de crédito, além da venda a chantagistas incrustados nas grandes corporações e grupos políticos. E assim a identificação pessoal vai seguindo o arraigado princípio da política tributária, em que novos impostos e taxas foram se criando como forma de combate à sonegação gerada pela ausência da fiscalização. Sem meias palavras, corrupção, manipulação.
E eis a carteira de torcedor. Sob o mote do necessário controle sobre a violência nos estádios, propõe o governo um novo número, uma nova carteira, um novo banco de dados, como se todos os torcedores já não tivessem Carteira de Identidade e CPF. Os custos, como de praxe, ficam com os contribuintes; os recursos vão para as mãos de seleto grupo que mais à frente responsabilizará o governo pela ineficácia do sistema.
Nem mesmo a ortodoxia e a disciplina da cultura alemã foi o suficiente para identificar o torcedor na porta do estádio durante a Copa de 2006. Diante da multidão nos portões, os fiscais desistiam de conferir se o nome impresso no ingresso correspondia ao de seu portador.
Sim, o esquema da carteirinha está fadado ao fracasso porque não há um só dispositivo em sua concepção que quebre a falha histórica do controle. Porque de novo será mais um instrumento de manipulação, e não de controle. Porque não interessa nem mesmo aos clubes o controle, querem manter o monopólio da manipulação, por isso são contra a carteirinha.
Quer saber quem são os maiores responsáveis pela violência nos estádios e a corrupção na venda de ingressos? Pergunte aos dirigentes dos clubes. Eles negociam e repassam ingressos a preços camaradas - quando não dão – a representantes de torcidas organizadas, que promotores públicos paulistas já acusaram de verdadeiras quadrilhas organizadas. E muito bem organizadas, com hierarquia e carteirinha, a troco de apoio nas disputas políticas e até na negociação com técnicos e jogadores. Todas as formas anteriores de combate aos cambistas e desvios de ingressos resultaram em suspeitas sobre os bilheteiros, empregados de clubes ou federações vigiados de perto por seus superiores. Obviamente que nem todos os dirigentes agem assim, mas uma parcela significativa deles.
A proposta de clássicos com uma só torcida é antipática à cultura futebolística brasileira, porém, um mal necessário. Reconhecer que estamos em estado de guerra civil pode ser o início de um processo de resolução definitiva, e seria a grande contribuição do esporte a toda a sociedade. Engajar os cidadãos neste propósito bastaria exigir que levassem seus documentos ao estádio.
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