A manobra perversa, realizada à sorrelfa, atende aos anseios dos grupos que têm investido pesadamente na região, não de seus habitantes. Articulada há alguns anos, a operação que culmina na injeção de recursos públicos em um aeroporto obsoleto não só congestiona definitivamente uma das principais vias da capital paulista, a avenida 23 de maio, como degrada um dos poucos setores de face humanizada restantes na metrópole. Sob domínio administrativo democrático, bairros como Moema, Brooklin, Campo Belo e Indianópolis padecem hoje da mesma sede insana progressista que levou à descaracterização – e decadência e enfeiamento – promovida pelas reformas sob a batuta da ditadura.
A geração que hora ocupa os poderes e se diz bandeira do bem-estar social já possui até mesmo seu próprio Minhocão, o monstrengo elevado que enterrou os bairros de Santa Cecília, Barra Funda e Campos Elíseos. Depois de subjugar a avenida Águas Espraiadas à bajulação barata, alterada para avenida Jornalista Roberto Marinho, cobriu-a com um ultrapassado viaduto.
Esta é, sem dúvida, uma alternativa sincera para desafogar o tráfego na região, mas, apenas do ponto de vista de quem privilegia o transporte individual, pois é injustificável em um projeto que prorizaria o serviço público e de massa.
Obras assim na zona que se classificaria como o novo modelo de urbanismo, ao mesmo tempo em que se constroem linhas de metrô da periferia para o centro da cidade, evidenciam o aprofundamento do “apartheid” inserido na política de transporte vigente. Aos mais pobres, automóvel como luxo; aos mais ricos, alargamento de ruas e avenidas, viadutos.
Os corredores de ônibus, sob a máscara de melhoria do serviço à população, não gerou regularidade no atendimento. Os usuários continuam no escuro da imprevisibilidade dos pontos. Por outro lado, a faixa exclusiva amenizou o prejuízo que o trânsito lento causa às empresas, ainda à custa de mais congestionamentos. Trafegando à esquerda, os coletivos que circulam na avenida Ibirapuera exigem que os cobradores estirem perigosa e ilegalmente o braço para fora da janela para indicar que dobrarão à direita. O tráfego nas outras três faixas da avenida pára durante tal manobra para que os ônibus alcancem o acesso à... avenida 23 de Maio! Transitassem eles todo o percurso pela 23 de Maio – faixa exclusiva? – não apenas atenderiam os mesmos usuários, uma vez que avenida liga o centro à zona sul, como evitaria a desordem e ofereceria mais alternativas a quem busca o aeroporto de Congonhas, hoje entupido de veículos particulares.
A viabilidade técnica das alterações é tarefa para os especialistas, mas é inaceitável que mudanças tão significativas se dêem em gabinetes fechados à opinião da população. As tornam, de início, incoerentes. Soa a desperdício gastar na ampliação do estacionamento, pista e áreas de embarque e desembarque em Congonhas quando se prega a revitalização do centro, onde se abriga o Campo de Marte, ladeado de hotéis, estações de metrô, avenidas largas em todas as direções, as sedes dos grandes grupos financeiros e os mais importantes pontos do parque cultural paulistano. Pronto a atender o perfil do público dos aeroportos.
Não discutir abertamente estas questões revestem estas ações de obscurantismo e suspeição. Tão obscuras e suspeitas quanto o vereador que, se arrogando falar em nome dos moradores do entorno de Congonhas, propõe o alargamento definitivo do horário de operações de Congonhas em uma hora, até à meia-noite. Pousos e decolagens das seis da manhã à meia-noite. Em nome de quem tal vereador quer impedir as oito horas básicas de sono?
A Lei do Silêncio exige a redução drástica dos ruídos a partir das 22 horas. Silenciosos, no entanto, apenas o governo estadual e o municipal em relação à questão. Este, aliás, ruidoso apenas no cálculo do IPTU, que enxerga a área como uma das mais valorizadas da cidade, ao mesmo tempo em que se omite sobre seu processo de deterioração.
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