A García Márquez à García Márquez


A morte me irritou vindo assim, antes de eu me aprontar.
- Sai, afasta, bando de urubus! Vão procurar o que fazer!

De nada adianta a história, o passado, a admiração quando, sozinho, é preciso enfrentar a mais comezinha opinião de um ajuntamento, uma vila, um grupelho social qualquer.
Os vizinhos são mais poderosos que a opressão de um volumoso exército quando lhe negam o direito de falar ou simplesmente decidem não te ouvir. Não me lembro bem do que gostaria de contar. As imagens aparecem, soltas, e de repente se conectam como sempre foi e delas me fiz. Tornei-me inimigo de mim quando já não conseguia estabelecer o nexo entre elas. Impiedosas, cismaram de enfumaçar-se e diluir-se em frações pequenas de tempo, em ataques sádicos de sabotagem.

 Cedi. Tive que reconhecer o obstáculo, a fim de encontrar um atalho.  Bastava-me ter-me como inimigo, minha luta agora era outra. E tinha a vantagem de conhecer as táticas e artimanhas inimigas. Afastem-se, urubus!
Não me era favorável o campo de batalha, de um branco límpido, amplo e de ar viciado. As ondas exuberantes de cores embaladas pela ventania ali não havia. Nem mar, nem mata, nem as flores animais, ou animais minerais a me orientarem.  A quebrar meu enfado, apenas meu eu inimigo com um sorriso sarcástico me encarando fixamente.

 Ver, de verdade, não o via, mas sabia que me olhava, sentia o olhar estufando minhas entranhas. Não queria água, para não alimentá-lo. Da ração abri mão, na tentativa vã de enfraquecê-lo tanto quanto a mim mesmo.
Morri sem pena, crendo que minha derrota lavaria ao empate.  Impedido de despejar-me, meu eu inimigo se afogaria.  Assim, alquebrado, cheguei a vislumbrar, ou alucinar, a única vitória possível.

 Por segurança, conforto ou esperança, voltei ao meu refúgio. Confesso não saber se foi instintivo, racional ou induzido pelo meu eu inimigo, as palavras correm de um lado a outro desgovernadas, de quando em quando se juntando em trechos desamarrados. As vozes que ouvi não eram aquelas com as quais me acostumei, estavam esvaziadas do poder com os quais dialoguei.  Haviam interceptado e alterado minha comunicação.
Minha cama, eu e meu eu inimigo ali negociamos o armistício.  Assinei minha partida, com o compromisso de que ele também partiria. De acordo com as lembranças que ainda tinha de mim, venci.  Fomos eu e meu eu inimigo para a cremação. Eu, resignado. Ele, encurralado. O que me reserva o futuro como pena desta tática sórdida não sei, pois sequer futuro não faço a menor ideia se há.   Cuidei de preparar-me para a morte. Meu eu inimigo, não.

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