Lupa no #nãovaitercopa


Uma corrida no que se tem falado no exterior sobre as manifestações contra a Copa dá a impressão de que a maior parte dos analistas trata do assunto como quem escolhe uma roupa apenas olhando modelos na vitrine.  Não dá atenção ao caimento, à textura e a ocasião em que vai ser usada.
Escapa a quase todos que a mobilização poderia se dividir em três grupos distintos: os descontentes  com  o montante dos recursos públicos empenhados e as melhorias programadas não realizadas, as organizações e categorias que se aproveitam da visibilidade internacional para marcar posição, e a massa de manobra da oposição em contraponto à militância governista na campanha eleitoral já nas ruas e redes sociais.

A visão panorâmica, dos três pendurados no mesmo cabideiro, distorce a situação para adequá-la ao momento europeu, de exacerbação da xenofobia. O único elo  entre eles é justamente o oposto: alvejar o governo com questões locais. Não houve qualquer protesto contra a vinda de estrangeiros aos jogos. Nem a Fifa sofreu hostilidades. Os turistas estarão sujeitos aos contratempos comuns a qualquer cidade do planeta, como furtos e roubos.

As análises se concentram na imagem das manifestações, sem contextualizá-las, sonegando o apoio majoritário à Copa no Brasil. Pesquisa em abril do Datafolha registra 48% dos brasileiros a favor do evento, 41 %  de contrários e 11% de indiferentes ou ignorantes ao assunto. Sob a ótica mais negativa, é um país dividido.

Nos detalhes, a curva declinante – a aprovação em 2008 era na casa de 80% - é formada pela frustração quanto ao legado da Copa.  Os benefícios não realizados deveriam atender obviamente as camadas menos favorecidas e regiões deficientes em infraestrutura.  No entanto, nesta faixa estão os maiores percentuais de apoio. A pesquisa registrou índices acima da média entre os mais humildes (55%), moradores de municípios com até 50 mil habitantes (56%) e habitantes nas regiões norte/ nordeste e centro-oeste (63% e 60%, respectivamente).  Desmonta-se aqui o figurino francês do “sans-culotte” para a Copa, de que o povo está à beira de organizar uma revolução.

Entre os 41% que reprovam, estão acima da média os mais ricos (55%), os mais escolarizados (53%), os moradores em cidades com mais de 500 mil habitantes (48%) e moradores das regiões sudeste e sul ( 48% e 53%, respectivamente). O modelito quebra-quebra e fogaréu exposto na vitrine não é o estilo dos desgostosos com a competição, atesta o perfil.
A articulação da segurança, com a inclusão das forças armadas e reforço de equipamentos, tem sido mais ruidosa que o necessário, um erro do governo afoito por mostrar controle. As recentes declarações do secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, remendadas com o desastrado clichê do Brasil terra de festa e samba, também contribuíram para a avaliação errônea divulgada nos grandes veículos de comunicação, mais notadamente os europeus.
Além destas induções, a histórica incompreensão da complexidade da sociedade brasileira, bem visível nos alemães no lançamento da camiseta da Adidas,  seguido do artigo publicado lá sobre o mascote da Copa.

Quem procura entender o que se passa no país não pode desprezar ainda o ocorrido durante a Copa das Confederações, o auge das manifestações.  O público nos estádios cantou de pé o hino nacional, num misto de apoio aos jogadores e repúdio aos acontecimentos políticos.

 O Brasil é grande, mas exige lupa para enxergá-lo.

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