O dilema e a caixinha

Copa América


Nos anos da supremacia e dos craques em profusão criou-se a ilusão de que o futebol brasileiro era apenas individualidade. 

Se havia nomes capazes de desequilibrar um jogo e realizar o improvável da geração de Garrincha à era Ronaldo, as seleções passadas, bem como os grandes clubes, tinham bem desenvolvido um senso de conjunto que permitiam aos jogadores alterar o ritmo e a movimentação de acordo com o andamento da partida.

A proximidade e a longa convivência, seja sob a mesma camisa, seja como adversário, predeterminavam as lideranças, os esquemas e até tabelas e jogadas que se executariam nas partidas logo que a lista de convocados era anunciada.  

Eu, nós


Essa intimidade, aliada à ideia de que havia espaço e tempo para que cada um fizesse seu jogo e passasse a bola para que o outro também pudesse jogar, fundamentava uma escola muita própria de futebol, na qual, comumente, a equipe em campo chegava a desmanchar o plano montado pelo técnico.

O respeito à individualidade e a confiança dela gerada, emblemática no gesto de Didi levando a bola ao centro de campo após o gol da Suécia na Copa de 58, não brota; nasce do conhecimento que tinha Pelé de Carlos Alberto Torres quando, sem olhar para ele, lançou a bola no vazio para que o lateral marcasse o gol derradeiro contra a Itália na final da Copa de 70, no México.

Fim da escola


A rigor, a última seleção da escola brasileira de futebol foi a de 82.
 O esporte mudou muito desde então, com ocupação maior de espaços, mais velocidade, priorização da defesa, da recomposição, valorização de líberos, compactação. 

 O golpe maior no futebol nacional, no entanto, foi a perda crescente da intimidade entre os atletas.

Até a diáspora dos boleiros, as seleções eram montadas com base em um time, que dariam a cara e um padrão à equipe, mais os jogadores em melhor fase e, por fim, os craques.

Desta filosofia, restou apenas juntar craques. Naturalmente a individualidade se transformou em individualismo. Funcionou em 94. Vingou a tese de que, bem postado na defesa, o Brasil atuaria nas estudadas fragilidades dos adversários e os craques resolveriam.

Em 2002, no Japão e Coreia, Felipão venceu com a fórmula, adicionada da “Família Scolari”, uma artimanha psicológica resumida em dar um choque de intimidade e reprimir o individualismo.
À mercê de seus egos, praticamente os mesmos talentos perderam uma das copas mais fáceis da história em 2006, na Alemanha.

E agora?


Agora que minguam também os fora-de-série, o conjunto e a disciplina tática são a única alternativa. Mas os jogadores mal se conhecem dentro e fora de campo.

É preciso muito mais tempo do que teve e tem Dunga para formar um time ao menos competitivo, sólido e eficiente.

O dilema parece insolúvel. 

Sobrou apenas a caixinha de surpresas.