Gambiarra sem jeitinho



A abertura da Rio 2016 aliviou o país. Com motivos de sobra para apreensão e pessimismo, as críticas positivas, especialmente dos estrangeiros, é uma lufada de ar fresco na autoestima, sob pauladas por cerca de dois anos, já.
Mas a euforia compreensível empana a visão mais objetiva sobre o evento, aquém das nossas tradições.

Com as projeções de efeito 3D entremeadas de filmetes bem produzidos, talvez tenha curtido melhor o espetáculo quem o viu pela TV. A cerimônia foi claramente concebida para a telinha, e por alguns momentos resvalou para o estilo show de variedades.

Medir o valor justo de uma criação é complicado. A saída pela “gambiarra” foi criativa, mas a originalidade não prevaleceu. 

O singelo ralador de inspiração neoconcretista foi uma ótima sacada e homenagem a uma das mais importantes correntes artísticas nacionais. O voo do 14 Bis foi o grato lampejo de ousadia artística que costuma nos surpreender no sambódromo.

A coreografia, no entanto, foi uma reciclagem de trabalhos anteriores de Debinha, como o presidente do COB, Carlos Nuzman, chama carinhosamente a velha amiga e companheira de quadras de vôlei Deborah Colker.  

Armadilha


14 Bis
A história resumida do achamento do Brasil caiu na armadilha da ótica do colonizador. Os índios desaparecem depois do primeiro contato. Se a ideia era reavaliar os conceitos do progresso, o espetáculo deveu explicitar a resistência da cultura que se tornou substrato, diminuída às ocas. A participação fundamental dos nativos para impedir que o Brasil fosse retalhado pelos europeus é algo que o mundo ainda precisa saber.

Talvez por causas das críticas que levaram a mudanças na última hora, a negritude surge no corte seco após o desfile da Garota de Ipanema. Ficou no gueto, apartada.  O Brasil verdadeiro é síntese, nação fundida com tolerância adquirida com dor e sofrimento, não uma colagem de culturas, como sugeriram as apresentações musicais.  O espírito antropofágico foi salvo com louvor na “assemblage” de Zeca Pagodinho e Marcelo D2.

A preocupação sincera com o meio ambiente sucumbiu ao discurso pueril, dissonante da postura firme do Brasil nas discussões internacionais sobre a variação climática.
  
Organizado e sem gafes, a cerimônia mereceu os elogios recebidos, mas careceu de grandiosidade. Se os R$ 270 milhões anunciados para as cerimônias de abertura e encerramento são pouco, como dizem os organizadores, por outro lado é nesta escassez que o brasileiro – e o carioca, em particular – desenvolveu uma das mais grandiosas festas populares do planeta com um punhado de plumas e paetês.


 Faltou o dedo de um carnavalesco na abertura para tratar a gambiarra com jeitinho.