Do alto do trio elétrico, o líder da Frente Povo Sem medo,
Guilherme Boulos, com semblante vitorioso constatou ao microfone o aumento da
quantidade de jovens na Av. Paulista. Ao lado dele, Raimundo Bomfim, da Frente Brasil
Popular, estampava alegria quase eufórica.
Havia mesmo muita gente diferente
dos rostos habituais, sem ligação com as organizações estudantis ou movimentos sociais
sempre presentes nos atos progressistas.
No chão, a poucos
metros do caminhão, a candidata à prefeitura de São Paulo pelo PSOL, Luiza
Erundina, poderia ser contada como um desses jovens. Seus olhos faiscavam.
Posava para selfies e discursava ao mesmo tempo com ansiedade adolescente no
meio da aglomeração que criara.
A cinco passos dela passava o
candidato a vereador Eduardo Suplicy, tratado como pop star na saída de um
show. Agarravam seu casaco, abraçavam, beijavam, fotografavam.
Ele se divertia
com o sorriso singelo que lhe é peculiar, acompanhado apenas da namorada, pouco
atrás, falante e mais atenta em não deixar as amigas se perderem no meio da
confusão. Procuravam um lugar na dianteira da passeata que começaria em alguns
minutos. Como já acontecera uma vez durante o passeio pela multidão, o candidato denunciou que lhe bateram a carteira.
Alheio à motivação
política, um sósia do Roberto Carlos assumidamente canastrão, trajando um terno
verticalmente dividido em verde e amarelo, dublava “As Curvas da Estrada de
Santos”.
Ao mesmo tempo, no ponto de ônibus, uma banda de rock sisuda, cabeluda
e barbada distorcia na caixa acústica clássicos dos anos 70. Quase em frente à
banda, um rapper histriônico não melhor equalizado oferecia rimas por moedas.
Eles
perderam em espectadores para o coral sério e compenetrado cantando “fora Temer
golpista” sob a partitura de Aleluia, de Händel.
A massa começou a se movimentar sem pressa, na velocidade em
que uma velha senhora de andar dolorido, amparada pelo braço de um rapaz, não
teve dificuldade de acompanhar com cara satisfeita.
Havia no protesto a leveza da
aspiração a causas amplas, parecida com a do movimento pelas eleições diretas,
há mais de trinta anos, e a da posse de Lula em 2003.
Diversa e numerosa em
tipos de paulistanos, a passeata emitiu sinais de que algo maior que seus
interesses individuais e de classe está em jogo.
Foi talvez esta sensação o que facilitou a tarefa dos guias
do movimento. Preocupados, ordenavam com os braços o estreitamento da passeada sob
o túnel de ligação com a Av. Rebouças, para que somente um dos sentidos da via
fosse ocupado. Os manifestantes se rearranjaram calmamente como o recuo ensaiado
das baterias de escola de samba no sambódromo.
Sobre o gradil de metal que separa as duas pistas no túnel,
um homem observava a passeata pela tela do celular, vez ou outra enviando junto
mensagens. Ficou ali até que passasse praticamente todos. Nenhuma vez olhou pra
trás, nem entoou as palavras de ordem, nem sorriu, nem desaprovou. Caminhou em
sentido contrário ao da passeata quando só grupos esparsos finalizavam a
travessia.
As luzes do trecho na saída do túnel tinham se apagado
poucos minutos antes. No ponto final do trajeto, os rostos foram reduzidos a
silhuetas entre sombras e capacetes.