Marcha do Silêncio


Política
Foto: Elineudo Meira/Mídia Ninja


Boa tarde para luta. Céu claro com sombra dura no chão, com calor que mais dá do que tira energia. O parque tinha o clima dos outonos de quarenta e poucos anos atrás, cheio de gente alheia ao fantasma do terror, tão perto disfarçando estar longe de quem não quer se meter nisso, como agora.

Mas Marielle foi. Anderson também. E Manoel Fiel, Santo Dias, os 111 do Carandiru, os de Pedrinhas, os da Candelária... Entre os torturados, assassinados e chacinados, cerca de 10 mil, mais milhares de parentes, amigos e solidários na dor e na resistência.

Não cabia o vigor civil do verão das Diretas Já. Era luto. A multidão de preto cantou, houve quem gingasse um pouco nos sambas daquela época. O fim da tarde não esfriou, mas os ares acinzentaram quando os músicos tocaram“Cálice”, de Chico e Gil, a senha de passagem pelo portal dos anos de chumbo.

A organização da pequena marcha até o monumento aos 436 mortos e desaparecidos durante a ditadura, à beira do parque, seguiu ritual parecido ao cortejo descrito do enterro de Vladimir Herzog, em outubro de 1975. Não houve movimentação brusca ou voz alta. Anoiteceu sereno e grave.

A caminhada tinha à frente o sangue de Rubens Paiva, Herzog, Grabois... Lanternas de celulares ao alto, flores e velas. Ouvia-se cães do outro lado do parque. Três faixas sóbrias nominavam o evento e pediam a conversão do prédio do DOI-CODI para centro de memória. Empunharam ao lado fotos dos mortos e desaparecidos.

A marcha foi recebida pelo autor da obra, Ricardo Ohtake. Nas chapas metálicas fincadas na terra em ângulos diferentes foram projetadas frases como “vítimas da ditadura” e “ tortura nuca mais”. Ventou indignação no brado em uníssono de “ditadura nunca mais” antes da dispersão.

Não pareceu o fim, mas o recomeço do enfrentamento configurado nas dependências do poder central, de onde saiu o vídeo em celebração ao golpe de 64.

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