O espírito da coisa

 Banda italiana Maneskin varre a Europa em velocidade pop com rock puro e redescoberta da guitarra.


O garoto levou a mão ao queixo com o olhar parado na guitarra descascada encostada no canto do porão. Pegou-a pelo braço no ímpeto e a levou até os lábios entreabertos. Devagar, Deslizou a língua nas fendas entre as cordas. A guitarra grunhiu dissonante.  A lascívia juntou rock à geração Z.

 Maneskin é voluptuosa e promíscua, se lambuza de quase tudo entre o início dos Stones e o britpop da primeira década deste século. Ouvem-se sopros de blues à Led Zeppelin, sequências dançantes, riffs de White Stripes e baladas italianas. Do ecletismo surgiu a reinvenção do rock raiz. Não se imaginava mais possível.

 O rock raiz do Maneskin

É som reto, guitarra, baixo e bateria, só, crus. A guitarra de Thomas Raggi soa suja, direta, sem distorção. O baixo de Victoria de Angelis, limpo, marcante feito a bateria de Ethan Torchio, sem firulas ou viradas mirabolantes. É barulho do bom para Damiano David rolar seu tenor rascante com timbre desafiador por letras às vezes metralhadas feito rap.

As canções não fazem rodeios sobre o viés da nova geração quanto às inquietudes juvenis, algumas com apelo pop em dosagem Queen. Fred Mercury e David Bowie enrubesceriam com a forma como o quarteto exala androginia e convoca à liberdade sexual.

A rebeldia proposta pelo Maneskin

Maneskin: protesto gay na conservadora Polônia Fonte: Youtube
O vocalista tem o carisma das velhas estrelas e derrama no palco energia de Mick Jagger. 

O movimento  tem algo de estudado, comum a quem nasceu com o clip no celular, mas não encobre a irreverência  e a postura desafiadora espontâneas. O figurino escancara a bandeira da banda, a defesa do direito à sexualidade fluida.

Em turnê pela Polônia, há 4 meses, Damiano protestou com atos e palavras a repressão aos LGBTQIA+. Na TV. Em horário nobre. No país do presidente ultraconservador Andrzej Duda, lascou um beijo na boca do guitarrista e insuflou todos a saírem do armário. 

Maneskin tem o espírito da coisa. Para quem nasceu nas imediações dos 2000, tem muito. A guitarra está ofegante.



Livio Lamarca

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