Foi a madrugada mais fria do ano em São Paulo. Amanheceu claro de sol como no outono europeu. Escudado pelo vira-lata peludo e malhado com o jeito meio protetor e carente, o mendigo do quarteirão continuava deitado debaixo do carrinho de madeira cheio de papelão onde o cachorro estava amarrado com a corda de náilon azul. Ficou ali deitado ao lado da porta de entrada da loja instalada na casa recuada de esquina, cujo muro foi derrubado para dar à calçada espaço para estacionamento.
Envelhecido bem antes do tempo, conversava com muitos sem tanta história para contar. Querido não era, sabia, mas se integrara graças à sinceridade com que se divertia com seu companheiro. Recebia de alguns trocados diários deixados nas portarias dos prédios. Estava se ajeitando em um lugarzinho do mundo. Quase tendo vida.
Ninguém o incomodou até perto do meio-dia, quando inquietou o frentista do posto em frente, quem comunicou seu estado à polícia.
Um vizinho acolheu o cão que uivou pelo resto da tarde e a noite inteira, até que outro o levou para o sítio pouco depois da entrega dos jornais.
Não houve registro de morte por frio naquele dia.
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