A perfeição é, se lhe parece.
Objetivo é o
espanto causado. O pasmado quando vê no homem comum a perfeição que crê lhe ter
sido negada por seu deus cria o escolhido. O eleito, em vez de titubear na
bifurcação entre a inveja e a admiração, simplesmente trafega na reta de que
deus é ele.
No manejo deste
narcisismo o herói se distancia do homem.
Senna ultrapassou com arrojo a história para cruzar a lenda.
Sozinho, antevia
e manipulava toda a corrida, em detalhes, cochilando no cockpit antes da
largada. Declarou certa vez de que sentia às vezes como se ele e o carro fossem
um corpo só. A manobra segura na pista molhada provavelmente era o que insuflava
sua onipotência.
Se permitia
tudo para ser só ele até a bandeirada, quando então se juntava aos Silvas, aos corintianos
e aos brasileiros. Equilíbrio raro, perfeito.
Não se permitia
menos que perfeito. No intervalo do calendário de 1991, antes do GP do México,
se acidentou brincando com jet-ski em Angra dos Reis. O corte teria custado 10 pontos
na cabeça. Embarcando de São Paulo para a prova, a imprensa o encurralou no
aeroporto de Congonhas à beira da pista, próximo do hangar de onde já saía o
jatinho próprio.
Com simplicidade
única a portadores de grande autoconfiança, submeteu-se a uma coletiva
improvisada por dezenas de jornalistas com o boné do patrocinador propositadamente
enterrado até quase as sobrancelhas. Respondeu calmamente às perguntas
incômodas sobre o “mau comportamento”, negando-se apenas a mostrar o curativo
branco que arranhava sua imagem.
Ao final, um
fotógrafo com um safanão na aba arrancou-lhe o boné a fim de documentar a
falibilidade do piloto. Com agilidade instintiva, recuperou o boné no ar rindo e
correu em direção ao avião, como que divertido por não se ter deixado pegar de
surpresa.

Coisa de
mito.
2 Comentários
Bravo!!! Belo!!! Belos!!! O texto, o mito, o autor!!!
ResponderExcluir"Narciso acha feio o que não é espelho." Senna, o que fez de tudo, nas pistas, porque a vida privada não interessa, pra cair no lago.
ResponderExcluir