Elke Maravilha morreu aos 71 anos sem ver um cafuzo medalhista
olímpico em modalidade individual. Quando ela nasceu, João Havelange tinha 30 anos.
Ele também não viu Isaquias receber a prata na canoagem.
Quando veremos outro representante inconteste do Brasil profundo receber uma
medalha olímpica?
A previsão é impossível.
Depende do surgimento de um talento
fora do comum, combinado com uma dose de sorte para estar e encontrar lugares e
pessoas certas no momento adequado.
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Isaquias, a cara dos cafundós |
É improvável que em 204 milhões de habitantes, o país só
tenha um Isaquias, ou Thiago Braz da Silva, ou Diego Hypólito, etc. A Alemanha,
com 83 milhões de habitantes, encontrou quem pudesse levar o ouro na canoagem.
Braz, de biotipo sertanejo, oriundo de terra mais fértil
para atletas, o interior de São Paulo, tomou o posto dourado de Londres 2012 do
representante dos 67 milhões de franceses.
Nem predominantemente negros, nem brancos, nem asiáticos, os
dois são a cara daquelas regiões desprotegidas, sejam como adensamentos urbanos, sejam
como reservas étnicas.
O IBGE estimava no ano passado 1,4 milhão de viventes em
cidades com até 10 mil habitantes. Cidades com até 100 mil habitantes abrigam
44% da população. São arredondados 90 milhões de habitantes, mais que uma Alemanha, longe do radar do esporte de alto rendimento.
A cidade natal de Thiago, Marília, tem 220 mil habitantes. A
baiana Ubaitaba, de Isaquias, 21 mil.
Sorte
O talento dos dois não explica o pódio alcançado. A sorte
contou muito.
Eles se destacaram durante a implantação de um plano adotado pelo
Brasil especificamente para esta edição da olimpíada.
O Governo Federal decidiu em 2012 investir R$ 1 bilhão no
desenvolvimento dos atletas visando alcançar um lugar entre os 10 maiores
medalhistas olímpicos e entre os cinco primeiros paraolímpicos este ano.
Centrado em rigorosa seleção de atletas por seus resultados,
nomes e modalidades relegadas ao segundo plano receberam as mesmas condições
que as mais conhecidas do público e dos patrocinadores. Thiago e Isaquias vinham abiscoitando troféus
e medalhas já há sete anos, sem maior atenção de quem não acompanha de perto as
provas de salto com vara e canoagem.
Retorno
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Caboclo da Silva: ousadia de ouro |
O saltador de Marília conquistou o ouro e o recorde olímpico
com ousadia.
Arriscou pela primeira vez uma altura dez centímetros acima de sua
melhor marca, 5,93m.
A performance e a segurança aos 22 anos no Engenhão dependeu
de treinar na Itália com o técnico de ponta Vitaly Petrov.
Atleta e treinador
receberam salários pagos pelo Comitê Olímpico Brasileiro.
Petrov dedicou-se a saltadores
brasileiros depois da olimpíada de 2012. Esse período não foi aproveitado para
desenvolver algum trabalho consistente com treinadores, apenas com atletas do COB.
A estratégia para a Rio 2016 se repete em 21 modalidades
tidas como medalhistas em potencial. O
espanhol Jesús Morlán, técnico do canoísta Isaquias, é um dos maiores
responsáveis pela conquista da prata.
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Magnano: futuro incerto |
O handebol, tanto no masculino quanto no feminino,
apresentam evolução exponencial graças à oxigenação estrangeira.
Ainda que o objetivo final não seja atingido, o plano já rendeu
bons frutos. Surgem indícios, no entanto, de que tudo deve virar pó.
O basquete masculino, depois da desclassificação, não
definiu se manterá o técnico argentino Rubén Magnano.
Tiro curto
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Sgto. Nory e o bronze na ginástica artística |
O verdadeiro legado olímpico é distribuir o conhecimento adquirido
nesta experiência pelos quatro cantos do país e fomentar a base.
A trilha mais
curta e pavimentada são as escolas públicas e o apoio às ONG´s especializadas
como a que lapidou Rafaela Silva.
A parceria do COB com as Forças Armadas, lançada em 2009, tem
se mostrado uma das alternativas viáveis para o sustento de atletas do topo.
Há infraestrutura, ainda que incipiente; foi dado o pontapé
inicial, existe o retorno satisfatório. Falta o planejamento de longo prazo,
além de lisura e transparência nas federações e confederações.
Isaquias embarcou na canoagem graças a um projeto social fechado
meses depois por
problemas na prestação de contas.Já campeão Sul-americano em 2009, parou de a fim de ajudar a família. Estaria amealhando trocados carregando sacolas na porta de supermercados se não fosse a persistência de seu descobridor.
Sorte do Isaquias.
Sorte do COB.
Sorte nossa. Foi apenas sorte.