A segunda pernada


  A movimentação das forças armadas segue script parecido com o de 64. Depois de desmantelar a esquerda, os conservadores atropelam os liberais.

  A intervenção no Rio de Janeiro soa lógico à média da população apavorada diante da sensação de total descontrole. De fato, o estado está falido, retomado pela violência da luta de classes desorganizada, armada pelo tráfico interessada na dominação do território.

  Soma-se ao caos aparente um governador fraco, sobre o qual resvalam muitas das acusações que levaram Cabral à cadeia e um prefeito que desaba na chuva feito a ciclovia. E não só ela.

  O Rio encarnava nos últimos pouco mais que 10 anos o passo adiante que se esperava do Brasil. O grande projeto de renovação urbanística – obras dos jogos Pan-americanos e Olimpíadas, Copa do Mundo - que serviriam para o salto em educação, esportes, transportes, segurança e saúde, ruíram. O crime organizado não só recuperou terreno e poder, mas os expandiu a outros estados pela rede de penitenciárias.
Afinal, a quem interessa a faixa?

  A onda de assaltos durante o carnaval carioca veio acompanhada da faixa “ STF se prender o Lula, o morro vai descer”. É de se supor que tenha sido esta a gota d`água para o anúncio da intervenção militar, a tomada do poder pelo crime organizado. A tensão deve ter deixado escapar a razão.

  A começar pela eficácia. Desde a Conferência da ONU sobre o clima, em 1992, o exército já ocupou o Rio mais de dez vezes desde a redemocratização. Seus soldados vêm, na maioria, dos alvos, os morros. Já se sabe que ao menos desde 1994 parte de seu arsenal é periodicamente desviada para grupos criminosos. Estas vulnerabilidades, aliadas ao risco de elevação do nível de violência, justificaram anteriormente as negativas das Forças Armadas de intervenção efetiva.

  O acirramento tampouco interessa ao crime, a julgar pelas movimentações noticiadas. O narcotráfico vem tentando se infiltrar nas instituições via financiamento de candidatos e ações de igrejas localizadas nas periferias. O confronto dificulta suas ações e transações. Teria mesmo ela interesse em ameaçar o poder judiciário em nome da liberdade de Lula?

  A um ocupante do poder Executivo desprovido do mínimo de simpatia por parte da população desde o primeiro momento, restaria à força implementar o que ele mesmo chamou de “reformas impopulares”. A barganha pela aprovação da reforma previdenciária não deu resultado. A redução dos gastos da Previdência era o elo entre liberais e conservadores.

  A transfiguração do projeto original em concessões homeopáticas aos setores retrógrados, encabeçados pela elite agropecuária, os afastou pouco a pouco. O esgarçamento, turbinado pela manutenção do baixo desempenho da economia, esfriou a pretensão da banca, por um lado o do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o do presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

  Ao conjunto das circunstâncias favoráveis à intervenção militar junta-se o debate sobre a investida da Boeing pelo controle acionário da Embraer e o risco à soberania nacional.

  Avalia-se que a intervenção impediria Michel Temer de seguir com reformas que exigem emendas constitucionais.  É uma questão legal, portanto, procedente. Mas pressupõe comprometimento com a democracia bem maior do que foi apresentado até aqui desde a deposição de Dilma Rousseff. Sob regime de exceção, governa-se por decreto e revoga-se qualquer indisposição dos contrários.


    Na possibilidade de acenar ao mercado com as próprias mãos, a banda conservadora, se bem sucedida, livra-se a um só tempo da justiça e dos neoliberais.