A pista sempre vai parecer curta demais para um pouso de
grande porte. Nunca é. A paisagem é que
a engole. Nem descolorida pela nebulosidade, sobra do aguaceiro do dia anterior, diminui.
A enchente terminava de vazar, a periferia contava mortos e
prejuízos. A zona sul lamentava a queda de outro pedaço da ciclovia.
O carro embicou a linha amarela, bem fluida para o meio da
manhã. Mal o olhar vagueia entre o apinhado de barracões, o fluxo estanca.
Teria que deitar no asfalto?
- Teve um acidente, mas tá liberado...
No trajeto de quarenta minutos espoca a notícia da intervenção. Um general assumiria o comando da cidade.
Não existia no que se apegar para entender o significado da decisão. O secretário
renunciaria, o prefeito não estava, o governador teria entregado os pontos, um
general passaria a comandar o estado.
O fim de tarde na orla foi regado a alívio e apreensão. Um
debate surdo entre a volta da ditadura e o fim da violência desenfreada. Era ou não a
solução, teria ou não outra alternativa, restava esperar o que diria no
seguinte o Presidente. A cidade ensaiou a boemia ruidosa habitual na noite quente de tulipas geladas e selfies.
- Põe no bolso, de bobeira, aí, tu nem vê levarem...
De manhã, lá longe estava o caminhão com a menina e seu
funk, pop, marcha e fãs. O helicóptero cortou o céu. Pelo tamanho, seguia ao
Palácio da Guanabara.
As horas de espera não resultaram em nenhuma resposta,
nenhuma orientação. Não há como reagir, contra ou a favor. A intervenção
estabanada desmobiliza, esmorece.
O Vampirão da Tuiuti desfilou sem a faixa
presidencial, por quê?
Episódios de violência continuam a pipocar, um tanque do
exército amanhece nas imediações da sede do Governo.
Os blocos se despedem com a rebelião no presídio em Japeri.
O protesto contra a reforma da previdência foi mantido.
O carro correu livre pela linha amarela. Parece sempre que a
aeronave vai adentrar o mar.
Mas quase nunca desliza.