Paraíso do Tuiuti ao vivo

   

   O desfile da Paraíso do Tuiuti deve entrar para a história até pela possibilidade de ser recontada. Da realidade apresentada à transmissão, há distanciamento comparável às coberturas do movimento das Diretas Já e a confessa edição último debate entre Collor e Lula em 1989, acrescida do ensinamento sobre o quanto o selo “ao vivo” pode iludir.

   A força poética e a criatividade da escola estiveram em criar o elo entre elementos culturais ancestrais referentes ao sofrimento da escravidão no samba, enquanto, nas alegorias, defendia como a subjugação se mantém nos dias atuais.

   Mas, dependesse do que foi veiculado ao vivo na Sapucaí, teria juntado um aglomerado de blocos para relembrar o passado escrachando de maneira rasa o presente.

   A tese central do enredo, afirmar o estado atual como retrocesso, se perdeu. A ligação entre os séculos 19 e 21, a tônica de todo o desenho das fantasias, alas e carros, foi ignorada na burla do padrão consolidado de transmissão. A intenção foi registrada em áudio, numa única frase, em que se menciona o trabalho escravo recente na indústria de confecção.

   Não se viu quase o plano geral do desfile, o que minimizou a força das alegorias como expressão de uma ideia. Os enquadramentos mais fechados reduziram o impacto das críticas ao estado de espírito individual do folião. A fragmentação, vitaminada pelos cortes rápidos, imprimiram desordenamento da narrativa costurada no sentido de mostrar por quais meios tem se dado o retrocesso.

   Na passagem das alas da carteira de trabalho, dos patos, a transmissão insistia em exibir os escravos acorrentados do passado. Da clara intenção de criticar a ideologia neoliberal, restou breve aparição de um presidente vampiro, feito bloco amador a carregar um bonecão por puro deboche.

   De como o samba tomou as arquibancadas, o registro também ficou a cargo da narração. A liberação do som ambiente ao telespectador teve a duração um suspiro emocionado. Ao fundo, no entanto, com atenção, ouve-se a voz do povo.

   O abafamento parece anulado pela repercussão do desfile na web. A despeito de qualquer julgamento, a Paraíso do Tuiuti deve marcar época também pela retomada da leitura crítica do país de uma forma muito nossa, ao mesmo tempo festiva, leve, e contundente. E do modo de reação a ela.