De convicção e teimosia




De repente os primeiros resultados de seu planejamento não condizem com a expectativa, a alternativa é a persistência ou a revisão da estratégia?

Em projetos de longo prazo, em que há margem de erro prevista e tempo para avaliar, a razão e a métrica bastam. Mas, e no curto prazo, em que manter a trajetória presumida depende do desempenho exclusivamente humano e a compreensão de que um desvio na previsão é parte da existência?

O raciocínio binário, maniqueísta, é habitual e leva em consideração o risco ponderado pelo retorno. Quando a base é o desempenho mecânico de uma atividade, faz sentido. Quando atividade exige alta dose de criatividade e  improviso, complica. Se a performance de um grupo está ancorado na atuação de um dos membros, notoriamente fora de série, e ele não atua como esperado, a pressão beira o insuportável.

O dilema está na possibilidade deste indivíduo deslanchar de súbito ou não. Neste ponto está a linha entre a teimosia e a convicção. A seleção brasileira tem se deparado ao longo dos tempos com a questão nas Copas do Mundo, torneio que no formato atual tem 7 jogos até a final.

Em 58, o técnico Feola optou por ceder à opinião geral do grupo, defensor de mudanças. Todo o ataque sofreu modificações, daí o surgimento dos lendários Pelé e Garrincha. A confiança os transformou em destaque na conquista do primeiro título mundial.

Em 98, na final da Copa, contra a França, o atacante Ronaldo sofrera uma convulsão na véspera. Minutos antes da partida o técnico Zagallo desistiu da decisão de sacá-lo do time titular. A decisão foi tomada em conversa entre ele e o atacante, que o convenceu de que poderia jogar. Era o melhor do mundo na posição afirmando que estava bem, como ignorar? Não deu certo. A equipe passou a partida preocupada com as reações do goleador na disputa de bola. A expectativa de que pudesse reverter a derrota não se confirmou.

Em 2002 o técnico Felipão assumiu a responsabilidade e o desgaste junto à opinião pública e cortou Romário. Abraçou os convocados e conquistou o título com o grupo que ficou conhecido como Família Scolari.

Em 2006, com elenco estelar, a seleção não mostrava em campo o desempenho esperado. O treinador Parreira sustentou que o talento individual poderia, a qualquer momento, corresponder ao esperado. Ronaldo, Adriano. Ronaldinho Gaúcho e Kaká não se entenderam o bastante na linha de frente. A seleção foi desclassificada nas quartas de final e o técnico saiu como teimoso por não utilizar os reservas.

O dilema ressurgiu em 18 com Neymar. Tido como um dos três melhores do mundo, o atacante pode resolver um jogo. O jogador está seguro de sua boa forma. O técnico Tite opta por trabalhar psicologicamente o grupo para que o coletivo funcione em razão da estrela da seleção. Teimosia ou convicção? O resultado poderá levar à má conclusão.

Vencer ou não, com participação de Neymar em todos os jogos, ou em partes deles, ou ainda, a mais remota, deixá-lo em definitivo no banco, dependerá de como a equipe vai reagir à decisão.  Nos exemplos citados, o êxito aconteceu quando a ação foi tomada com participação de todos os envolvidos no projeto. Os que estão ao lado dele no calor do confronto têm a sensibilidade de perceber o risco e o retorno do objetivo geral e do interesse paralelo de cada um em sustentar o fora de série em fase de baixo desempenho.  

Descentralizada, a decisão forma convicção e gera maior comprometimento do grupo. Centralizada, o objetivo é empanado com questionamentos e alguma descrença. É teimosia que pode reduzir a probabilidade de êxito.