![]() |
Gil & Chico: medida da democracia Foto: Mídia Ninja |
O Fla-flu já habitual enviesou e, também como de hábito,
reduziu a importância do show que reuniu alguns dos medalhões da música no
Festival Lula Livre.
Não há ilegitimidade ou alegada ilegalidade em petistas pedirem
liberdade a Lula, até como parte da estratégia de manter o partido aceso na
disputa eleitoral. Como não há o porquê de reprimir atos contra ou favor do
aborto, da descriminalização de drogas, união homoafetiva, etc... Tal dilema
não cabe em um regime democrático.
A impossibilidade de grandes manifestações públicas sem
algum tipo de repressão física ou moral nos últimos tempos tornou o ato maior do
que a intenção indicada no nome do evento, e não só por ter ocorrido sem gravidades maiores que a apreensão de propaganda eleitoral e de bandeira do PT.
Temos visto uma sucessão de fatos hostis que, agrupados,
rememora o passado cinzento. À censura de obras em exposição, seguem ataques a
minorias. O juiz do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes processa o promotor
público Fernando Krebs por crítica a decisões judiciais em rede social.
A Universidade Federal do ABC abriu sindicância para apurar
a participação de professores em lançamento de um livro de entrevistas com
Lula.
Em Santa Catarina, um professor da UFSC foi intimado pela Polícia Federal
por suposto atentado contra a honra da delegada da PF que comandava a apuração
de desvios de recursos na instituição. A justificativa foi uma gravação em que Áureo
de Moraes lamentava o suicídio do então reitor da UFSC, Luiz Cancellier de
Olivo, decorrente da acusação não comprovada de sua participação nos desvios.
Houvesse mala de dinheiro, conta na Suíça ou outra prova
juridicamente incontestável, talvez o show não acontecesse. Dadas as circunstâncias, traz para Flas e Flus
a crueza da judicialização da política. À beira das eleições não existem respostas
definitivas sobre decisões de segunda instância, sentenças monocráticas, pendências
sobre critérios de inelegibilidade, etc....
Enquanto isso, ver alguns dos maiores implicados no
escândalo se movimentando livremente nesta pré-campanha é repulsivo. O
judiciário em recesso durante crise em tal proporção, indigno. Ao fundo, intervenção
federal no Rio de Janeiro, com despejo de recursos às Forças Armadas, levante
ultraconservador, Executivo e Legislativo desacreditados.
As reações não são menos graves. O prédio em que mora a
juíza do STF Carmem Lúcia foi alvo de balões de tinta, como a fachada do próprio
STF em Brasília. São constantes os constrangimentos públicos a autoridades de
todos os poderes.
A apresentação de “Cálice” pela dupla Gil e Chico Buarque,
fechando o evento, é a medida simbólica da distância entre o nível de
anormalidade atual e o ponto a que pode piorar para quem preza a democracia.