Cronômetro da corrida presidencial

Política


A 75 dias do primeiro turno das eleições o movimento dos partidos em torno de coligações, definições de candidatos a Vice-Presidente e apoios ainda está apenas começando.

 Seria razoável se as negociações ocorressem quanto ao acerto das chapas nos estados visando o fortalecimento das campanhas para a Presidência da República. 

Mas nem mesmo as candidaturas postas estão firmes. Muito, em razão de denúncias, processos judiciais e indicadores econômicos ruins.

O atraso na organização desalenta a esperança de embates ideológicos e programáticos mais consistentes que nas eleições precedentes. Os arranjos de última hora indicam continuação da polarização irracional dominante na política desde 2014. A corrente liberal globalista, de quem se esperava solidez inédita, diluiu-se na velha direita ao emendar um mal ajambrado “mas conservador nos costumes”.

Um lado...

O PT, apesar do inferno astral, deve continuar como principal referência política aos que o odeiam e aos que o amam.

Se, por um lado, a sigla levará até aos últimos instantes a candidatura de Lula na expectativa de inverter juridicamente a inviabilidade possível de sua homologação, por outro, o programa a ser apresentado pelo partido ou bloco liderado pela agremiação, baseado no esboço declarado pelo articulador Fernando Haddad e na experiência de três mandatos completos, de modo geral, não surpreenderá.

O desempenho eleitoral dependerá da capacidade de Lula de transferir seu favoritismo a quem possa vir a substituí-lo em caso do impedimento.

 Salvo o surgimento de grande fato negativo, as pesquisas sugerem alta probabilidade de participação no segundo turno, com votação ao menos entre 20% e 30%, independentemente do conteúdo e da capacidade de comunicação do candidato.

No campo da centro-esquerda, Ciro Gomes vinha em estratégia promissora com capacidade de alterar o quadro em favor do PDT, apresentando objetivamente os pontos principais de seu projeto. 

Abalroado pelo Centrão (DEM, PR, PRB, PP e SD), para o qual dispôs rifar premissas progressistas, tenta retomar sua direção à esquerda, mas com credibilidade arranhada.

Marina, da Rede, alheia à movimentação e à conjuntura, crê na preservação de seu arsenal de cerca de 20% do eleitorado conquistado nos dois pleitos anteriores para levá-la ao segundo turno desta vez.

... E o outro

À direita, não bastasse ao favorito por ora, Jair Bolsonaro, ser um incendiário conservador, ainda terá os míseros segundos do PSL para explicar, afinal, a que vem e o que pretende verdadeiramente no emaranhado de colocações titubeantes entre o conservadorismo, o nacionalismo e o liberalismo. 

No ambiente radical das redes sociais, sua alternativa de comunicação de massa, há pouco espaço para argumentação, e muito, para emoções.

Confirmando-se o apoio do Centrão, Alckmin, do PSDB, reinará no horário gratuito. Ele se coloca como o nome das mudanças almejadas pela sociedade. Em nome dela, teria que ocupar muito de seu tempo para convencer o eleitor de que sua coligação estaria comprometida com tal façanha.

O agrupamento marcado pelo fisiologismo tem presença indelével no mensalão, no petrolão, no afastamento de Dilma, no fracasso do plano de contenção de gastos de Temer. Esculhambou sem pudor o planejamento financeiro de Henrique Meirelles, achacou o governo federal, bagunçou as campanhas do ex-ministro da Fazenda, de Bolsonaro e Ciro, além de embarreirar a possibilidade do PT contar com Josué Alencar, do PR, como vice na chapa, a fim de acenar com um armistício social. 

O bloco é, enfim, a encarnação de tudo o que o eleitor gostaria de extirpar de qualquer governo.

O sistema de financiamento favorável à reeleição dos caciques mal avaliados do Congresso, no entanto, torna-os fundamentais não só na capacidade de catapultar o candidato até agora quase nanico, mas também na sua estabilidade.

 O que levará em troca do apoio a Alckmin é nebuloso e seria ingenuidade crer que tal ponto fosse esclarecido na campanha. A capitulação do tucano a este bloco desabona seus compromissos. Sobra apelar ao coração do eleitor.   

Cenário

A prevalência do tom emocional na propaganda eleitoral de todos os candidatos não seria novidade.

 Porém, no contexto atual de tensão, pessimismo econômico e descrédito das instituições em níveis acima da média histórica, à decepção habitual da quebra de promessas será somada a desilusão de perceber que a crise não desaparecerá a partir de janeiro. A previsão é comum a economistas e cientistas políticos de todas as correntes.

Neste cenário, o próximo Presidente está sujeito a se desgastar mais rapidamente. A velocidade do processo se condiciona à compreensão de seus gestos. O prazo de tolerância da população para com o eleito tende a ser diretamente proporcional ao grau de transparência do candidato.

O nível de popularidade será determinante para o desempenho do Presidente na condução de questões complicadas em pauta, como a arrecadação de impostos estaduais e emendas constitucionais, além das reformas em debate.
 Em baixa, não há facilidades no Legislativo.  

O desafio não termina nas imprecisões de conteúdo decorrentes dos arranjos não programáticos de curto prazo. O número maior de concorrentes prejudica o aprofundamento dos debates, e o tempo de propaganda no rádio e na televisão foi reduzido.

A estabilidade política e a duração da crise talvez nunca tenham dependido tanto da sinceridade e da objetividade dos políticos. A 24 dias do início da propaganda, pode-se afirmar que os primeiros passos são mal dados.